Este Blog tem como objetivo complementar as atividades apresentadas durante as aulas de Educação Física Escolar e valorizar o componente curricular que introduz e integra o estudante a Cultura Corporal, para usufruir dos jogos, dos esportes, das danças, das lutas e das ginásticas, favorecendo a formação de um indivíduo historicamente contextualizado, consciente de seus valores culturais e sociais, capaz de perceber-se como agente determinante de suas próprias ações.
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Evandro Spironello de Miranda
Sou Pai, Esposo, Corinthiano e Professor Especialista
terça-feira, 19 de abril de 2016
Mídias: a transformação do esporte em espetáculo televisivo
Programa Fórum - 17/03/2012 - Esporte e Mídia - José Carlos Marques - TV Unesp
Texto - Mídias: a transformação do esporte em espetáculo televisivo
O esporte, atualmente, faz parte de uma vasta indústria do entretenimento/lazer, com grande impacto econômico e transformou-se em um negócio, com profundas implicações ideológicas, políticas e pedagógicas. Estima-se que a chamada “indústria esportiva” movimente em torno de US$ 1 bilhão por dia, em todo o mundo. As mídias, com destaque para a televisão, desempenham papel decisivo nesse processo, cujo início coincide com a constatação da capacidade que tem o esporte de atrair espectadores. A partir do momento em que alguém se dispôs a pagar para assistir um evento esportivo, abriu-se caminho para o financiamento do esporte profissional.
Já no século XIX surgiram na Inglaterra os “espectadores-apostadores”, que faziam apostas nas lutas de boxe e nas corridas de rua. O espectador fiel a um dos competidores apareceu no início do século XX: trata-se do “torcedor”.
A partir da década de 1960, com a popularização da televisão e o início das transmissões ao vivo de eventos esportivos (e os sistemas de satélite garantem que imagens e sons alcancem, simultaneamente, todo o planeta), o esporte transformou-se em um “telespetáculo”; ou seja, uma “[...] realidade textual relativamente autônoma face à prática ‘real’ do esporte, construída pela codificação e mediação dos eventos esportivos efetuados pelo enquadramento das câmaras televisivas, a edição das imagens e os comentários que se acrescentam a elas, que interpretam para o espectador o que ele está vendo [...]” (BETTI, 2001a, p. 126).
“‘São apenas negócios’, conclui sobre o esporte um personagem do filme estrelado por Bruce Willis, The last boy scout (traduzido no Brasil por O último boy scout), um ex-atleta retirado dos campos de futebol americano por causa de uma lesão nos joelhos. O esporte espetáculo é trabalho e show; o atleta é um trabalhador e artista, sujeito a doenças ocupacionais e desemprego, como qualquer outro. Embora o esporte seja temática cada vez mais frequente nos filmes de Hollywood, o espetáculo esportivo é basicamente televisivo, assemelha-se mais a uma novela do que ao cinema ou teatro, com a vantagem, para a mídia eletrônica, de encontrar o cenário pronto, os atores ou atrizes contratados, o script esboçado; quer dizer, parte da conta já paga. O esporte é, cada vez mais, uma matéria para ‘marketeiros’, empresários, executivos das grandes redes de televisão.”
É esse texto audiovisual o produto vendido pelas mídias: o espetáculo esportivo em si e a “falação” (ECO, 1984, p. 220) sobre ele. Fala-se sobre tudo e sobre todos nos programas e noticiários esportivos, nas matérias jornalísticas e colunas de opinião dos jornais e revistas especializados e nas entrevistas com atletas. Além disso, o esporte é amplamente explorado pela publicidade, que vende não só os materiais esportivos propriamente ditos (bolas, vestimentas etc.), mas também serviços bancários e alimentos, associando-os a qualidades do esporte, como velocidade e energia.
É importante compreender que o interesse das mídias pelo esporte não se fundamenta no interesse de estimular a prática esportiva, mas de vender a si próprias. Por sua vez, o esporte profissional tornou-se cada vez mais dependente da televisão, pois ela viabiliza os patrocinadores que financiam eventos, clubes e atletas enquanto as mídias dependem do esporte para atrair e formar aficionados que consumam seus produtos.
Essa lógica da espetacularização, ligada aos interesses econômicos das grandes empresas midiáticas e às possibilidades tecnológicas de produção e emissão de imagens, tem consequências importantes para o modo como entendemos, apreciamos e praticamos o esporte.
Em primeiro lugar, destaca-se a fragmentação/descontextualização do fenômeno esportivo, quando eventos e fatos são extraídos do contexto mais amplo. A experiência global de quem pratica esporte é desconsiderada, pois esporte não é só vitória a qualquer custo, ganhar dinheiro e troféus, mas também sociabilização no confronto com outrem, prazer e ludicidade, vivências que não são privilegiadas pelas mídias. Já as manifestações de violência (quer da torcida, quer dos atletas),às vezes presentes em eventos esportivos, são objeto de destaque nas mídias, como cenas de brigas nos estádios de futebol, seja entre jogadores jogadores, seja entre torcidas rivais, que correm todo o mundo, induzindo-nos a acreditar que o futebol é um esporte violento.
Em segundo lugar, constata-se que assistir esporte pela televisão torna-se diferente da experiência de assistir aos eventos ao vivo, em estádios e ginásios, pois o que vemos na “telinha” é produto do olhar direcionado das câmeras, da opinião do comentarista, dos recursos tecnológicos, como a “câmera-lenta” e o “tira-teima”. A televisão tenta diminuir a distância entre essas duas experiências por intermédio de informações suplementares (closes, câmaras dispostas em diversos ângulos, microfones que captam sons no campo e na torcida etc.), dando ao telespectador “a ilusão de estar em contato perceptivo direto com a realidade, como se estivesse olhando através de uma 'janela de vidro'”, quando aquele, na verdade, aprecia uma interpretação do evento esportivo, mediada pelos códigos e interesses televisivos (BETTI, 1998, p. 34). Há muitas diferenças na experiência de assistir ao esporte como testemunha corporalmente presente nos estádios e ginásios, de um lado, e pela televisão, de outro. Entre elas está a perda da autonomia visual do telespectador, que só pode ver o que lhe é mostrado. Nos esportes coletivos, por exemplo, a maior parte do tempo a câmera apenas segue a bola, prejudicando a visão mais global do evento. O telespectador também é privado da experiência do coletivo, pois para quem está em um estádio de futebol, por exemplo, as manifestações da torcida afetam a avaliação da partida.
Em terceiro lugar, observa-se que as mídias produzem um discurso hegemônico Sobre o esporte. Para elas, esporte é predominantemente esforço máximo, busca da vitória a qualquer preço, dinheiro, campeões. Pouco espaço e tempo são dedicados, nos jornais, revistas, sites e emissoras de televisão para abordagem das potencialidades do esporte em promover valores ligados à saúde, ao lazer e à educação.
Tudo isso leva também a implicações éticas, na medida em que as mídias passam a definir valores com relação ao esporte: o que é certo ou errado, legítimo ou ilegítimo. Muitas vezes, isso se processa em termos de dubiedade moral: por exemplo, uma falta violenta no futebol ora é apontada como ameaça ao espetáculo, ora como demonstração de eficiência do “zagueiro macho”.
Por isso, a Educação Física, como disciplina escolar, precisa apostar no desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos diante das mídias e “criticar”, ou seja, analisar os critérios que presidem os interesses das mídias no esporte. Para tanto, é preciso fornecer aos estudantes os instrumentos para a realização de tal interpretação crítica, por meio da qual ele possa se compreender melhor como leitor, telespectador e torcedor, assim como ao próprio fenômeno esportivo.
Leia atentamente os dois textos a seguir: A falação esportiva
1. “[...] A falação esportiva (ECO, 1984) informa e atualiza: quem ganhou, quem foi contratado ou vendido (e por quanto), quem se contundiu, e até sobre aspectos da vida pessoal dos atletas. Conta a história das partidas, das lutas, das corridas, dos campeonatos; uma história que é sempre construída e reconstruída, pontuada pelos melhores momentos – os gols, as ultrapassagens, os acidentes etc. Cria expectativas: quem será convocado para a seleção brasileira? A falação faz previsões: qual será o placar, quem deverá vencer. Depois, explica e justifica: por que tal equipe ou atleta ganhou ou perdeu. A falação promete: emoções, vitórias, gols, medalhas. Cria polêmicas e constrói rivalidades: foi impedimento ou não? A falação critica: ‘fala mal’ dos árbitros, dos dirigentes, da violência. A falação elege ídolos: o ‘gênio’, o craque fora de série. Por fim, sempre que possível, a falação dramatiza [...]”
2. “A falação expõe discursos de duplo padrão moral. No jogo da seleção, o centroavante brasileiro fez um gol com auxílio do braço e o locutor agradeceu ao árbitro peruano: ‘Muchas gracias, [nome do árbitro]! Gracias, hermano!’. O jogador declarou em entrevista ao telejornal do horário nobre: ‘o artilheiro tem que fazer gol de qualquer jeito, não importa’. É a mesma falação que condena a violência, o doping, o suborno...”
Fonte:
BETTI, Mauro. Esporte na mídia ou esporte da mídia? Motrivivência, Florianópolis, n. 17, set. 2001. p. 108-109.
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